segunda-feira, 21 de maio de 2012

As presidiárias brasileiras

A quarta reportagem da série mostra como vivem as presidiárias brasileiras. Algumas são atraídas para o crime pelos próprios maridos. E boa parte delas chegou à cadeia por furto e tráfico de drogas.
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Vinte e cinco mil mulheres estão presas em cadeias brasileiras, uma boa parte delas chegou ali por furto e tráfico de drogas.

Na quarta reportagem da série especial "Apagão Carcerário" você vai atrás das grades ao encontro de detentas que engravidam, dão à luz e criam filhos que vivem presos sem ter cometido crime algum.

“Direitos humanos, eu tô aqui no castigo, socorro”, grita uma detenta. Os gritos vêm da chamada cela do castigo, onde ficam as presas que cometeram falta grave. Foi neste lugar que a euipe do Jornal da Globo encontrou Sheila Barbosa , presa por assalto em Luziânia, Goiás.

“Eu estou aqui em condições subumanas. Pelo amor de Deus, alguém me ajuda, olha aqui, ó, é água de esgoto, de esgoto gente, o esgoto tá solto aqui. Tem 15 dias que eu tô aqui, eu perdi mais de dez quilos", conta Sheila Barbosa, detenta.

Sheila foi colocada no castigo porque teria desacatado um agente penitenciário. Ela é uma das 25 mil mulheres presas no Brasil.

"A convivência é ruim, porque é muita mulher, o presídio tá lotado. É muita gente, a gente tem que ficar passando por cima dos outros. A gente dorme mal, come mal. É fila para pegar comida. É um stress todo dia. A gente acorda estressado, dorme estressado”, diz uma presa.

No local não é difícil encontrar mãe e filha juntas. Eliane, presa por tráfico, diz que a filha não deve esquecer o exemplo dela. “Ela tem eu como um exemplo a não ser seguido", fala Eliane dos Santos Souza, presa.

JG: Você culpa a sua mãe por estar presa?
Érica dos Santos Souza: Não, eu não culpo ela.
JG: Você acha que ela é um bom exemplo pra você?
Érica: Não, ela é um exemplo que eu não devo seguir, né, que nem ela já disse. Mas eu, toda a vida dela pra mim foi pra mim não seguir o exemplo dela, é uma coisa pra mim, um espelho pra mim não me olhar nele.

O crime mais comum entre as detentas é o tráfico de drogas. A maioria das mulheres é influenciada por maridos e namorados. Com o filho recém nascido no colo, Sílvia está condenada há cinco anos e meio. Foi flagrada levando cocaína para o companheiro num presídio em Rondônia. Quando o conheceu ele já fazia parte do mundo do crime.

"Eu sabia, minha mãe falava pra mim me afastar dele, pra mim me afastar dele, eu nunca me afastei, aí aconteceu, vim parar aqui e ele tá lá ainda", conta Sílvia da Silva, presa.

Cristina tem 18 anos. Foi presa vendendo droga em Florianópolis.

Ana Cristina da Silva: Ah, muita gente tem pra vender. Droga qualquer lugar tú acha.
JG: É fácil?
-Cristina: Bem fácil.
JG: E rende muito?
Cristina: Rende


Ellen Cristina, tráfico, 25 anos, filho de 5 anos, presa 3 meses. "É difícil você largar de traficar para conseguir um emprego que você vai ganhar no máximo R$ 500 por mês, enquanto você tira R$ 1 mil por dia, entende", comenta.

"Quando tu vê, tu já tá envolvido, tu se encanta. Tu vê dinheiro, tu vê coisas fáceis, droga, arma, é, vida fácil, gente rica à tua volta, sociedade, todo mundo te bajulando, mas quando tu vê já tá preso. Ai cai a casa, né", fala Sabrina de Oliveira, presa.

Também foi assim para s três irmãs, de 18, 19 e 21 anos de idade. Todas presas por tráfico. E não são as únicas da família.

“Eu morava com o meu marido, meu marido também estava preso, eu precisava comprar as coisas pra mim e mandar para ele e para o meu irmão que estavam presos por droga”, conta Silvana da Silva, presa.

Um dos maiores dramas enfrentados pelas detentas é a gravidez no cárcere. Tema que o Jornal da Globo abordou em dezembro do ano passado no presídio feminino de Brasília.

“Todas essas 10 mulheres juntas, têm 46 filhos. Média de quatro a cinco filhos por presa. E um detalhe, todas estão grávidas”, informava a reportagem na época.

Verline está na cadeia porque roubou 12 latas de leite em pó num supermercado de Fortaleza, Ceará. Ela tem 22 anos de idade e já foi presa no ano passado pelo mesmo motivo. É mãe de uma filha de dois anos e está grávida de novo.

"Eu tenho medo de na hora eu poder ter esse menino até mesmo aqui dentro no meio do corredor. Eu espero muito que eu saia bem antes disso", diz Verline Ferreira Santos.

Esperança que Cláudia não tem. Grávida de oito meses ela passeia pelo pátio do Instituto Penal Feminino em Fortaleza. Pêga por aplicar um golpe conhecido por "boa noite cinderela" já roubou muitos homens que foram atraídos e sedados por ela. A gravidez ocorreu dentro da cadeia, em Pindoretama, interior do Ceará.

"Me jogaram na cadeia pública de lá com seis homens, com seis presos. Eu me interessei por um deles, não foi à força. E me interessei por um deles e me envolvi e fiquei grávida", conta Cláudia Alves, presa.

Qual o futuro do filho que ela espera na barriga? “Eu quero doar meu filho para uma pessoa, para dar uma boa educação pra ele. Vou doar porque eu não tenho condições. Eu não vou dar uma boa educação para o meu filho", justifica.

Jaqueline não pretende dar nenhum dos sete filhos. Dois estão com ela na prisão. São gêmeos, nasceram há um mês. Ela está presa por tráfico de drogas junto com a mãe. Elas juram inocência. Jaqueline diz que a culpa é do marido que também cumpre pena. Dos outros filhos quem cuida é o irmão.

"Meu irmão não tem nenhum filho, é novo, tem 19 anos, tá cuidando de cinco filhos meu, responsabilidade grande para ele agora. Aí eu tô aqui, dependendo só de Deus mesmo", lamenta Jaqueline de Castro Nascimento, presa.

Uma das presas, que não quer ser identificada está há mais de cinco anos na cadeia condenada por estelionato. Mãe de quatro filhos, o mais novo, de dois anos, fica com ela.

No Rio Grande do Sul para amamentar a criança pode permanecer com a mãe detenta até completar três anos. Em outros locais, como Brasília, o máximo permitido são seis meses. Não existe lei nacional sobre o assunto. Ela está feliz por ter o filho por perto, mas sabe as conseqüências disso.

Presa: Com certeza, isso aí vai ficar gravado na cabeça dele para o resto da vida. Criança não esquece porque a minha outra filha nasceu aqui e não esqueceu. Saiu daqui com um ano e três meses e não esqueceu.
JG: Qual a idade dela hoje?
Presa: Cinco anos.
JG: Que conseqüências tiveram?
Presa: Ela não gosta daqui, não gosta de vir... Nem pra me ver.


No caso dela, a cada duas semanas o filho é levado para a casa pelo pai, depois retorna. Mas nem todos que estão aqui têm essa sorte.

Uma criança, mostrada pela reportagem, tinha dois meses de idade quando veio para a cadeia, junto com a mãe. Hoje ela tem dois anos e quando fez aniversário, em fevereiro, ganhou um presente inédito. Quinze dias fora da cadeia.

"A diretora que deu autorização para ele sair. Tem pena dele porque ele quer sair e não quer mais ficar aqui. Ele fala assim ó: quer sair, na rua? Ele rua mãe, rua, ele fala assim, não quer ficar mais aqui", conta Júlia Ribas, presa.

Não existe no Brasil um número oficial de quantas crianças estão hoje vivendo com as mães em presídios. Um estudo da universidade de Brasília mostra que em 2005, eram 290. São meninos e meninas que por causa do destino, ainda não puderam aprender o que é liberdade.

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